04/08/2011

Nutrição e Esclerose Múltipla

Faz tempo que queria escrever sobre a Esclerose Múltipla. É um assunto desafiador, que tem me feito estudar e por isso quero compartilhar! Na edição deste mês da Revista Brasileira de Nutrição Funcional, foi publicado um excelente artigo sobre o assunto.  



A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença crônica degenerativa, caracterizada pela destruição da bainha de mielina, por um processo inflamatório e auto-imune, provavelmente associado a desordem genética e fatores ambientais, como latitude geográfica, dieta, exposição a toxinas, infecção pelo vírus Epstein-Barr, entre outros.

Como a doença é caracterizada por reação inflamatória com predomínio de linfócitos T CD4+ e produção de citocinas inflamatórias no sistema nervoso central, há degeneração dos axônios, desmielinização das fibras nervosas e perda de células da neuróglia. Há também a participação de linfócitos B, de imunoglobulinas e componentes da ativação do sistema complemento próximo à lesão inflamatória.  

A disbiose intestinal também está envolvida na fisiopatologia da EM. Ocorre um desequilíbrio na microbiota, com predomínio de bactérias patogênicas. Quando a parede intestinal fica comprometida e há alteração na permeabilidade intestinal ocorre uma diminuição da sua atuação contra moléculas grandes, gerando uma resposta inflamatória sistêmica.

O Estresse Oxidativo é outro mecanismo envolvido na EM. A lesão inflamatória leva a produção de espécies reativas de oxigênio (EROs), com dano nos componentes celulares como lipídios, proteínas e ácidos nucléicos, acelerando a neurodegeneração. Além disso, os produtos de glicação avançada (AGEs) contribuem para a geração de radicais livres e aumento da expressão de mediadores inflamatórios. Os AGEs são formados através da oxidação de lipídios e proteínas através do processo de cocção em altas temperaturas, principalmente grelhados e assados. A N-acetil-L-cisteína (NAC) tem sido usada por inibir os AGEs.

Os hábitos alimentares e o estado nutricional dos portadores de EM são de grande relevância no tratamento e na evolução da doença. É preciso levar em consideração todos os sistemas fisiológicos do organismo e os sintomas relacionados ao desequilíbrio de cada um deles.

- Dieta isenta de glúten e leite de vaca (e derivados) tem sido relatada como mecanismo protetor na progressão da doença. As proteínas do leite de vaca e o glúten são de difícil digestão, aumentam a permeabilidade intestinal e elevam a produção de IL-6, IL-10 e TGF-ß. Estudos mostram que os portadores da doença podem ter sensibilidade oculta ao glúten, por apresentarem anticorpos positivos para IgA. Leia mais aqui.  

A suplementação com vitaminas tem sido bastante relatada na literatura.

- A Vitamina C é importante na cicatrização de úlceras em pacientes acamados, participa da síntese de colágeno e atua como antioxidante regenerando a vitamina E, importante para converter a B12 na forma ativa.

- A Vitamina D é um supressor auto-imune e interage com mediadores inflamatórios e com o sistema imunológico. Tem sido observada a presença de receptores de Vitamina D no Sistema Nervoso Central e sua deficiência altera a função das células do sistema imune levando a um perfil mais inflamatório. A suplementação parece reduzir as taxas de recidiva da doença. Leia mais aqui.

- A Vitamina B12 é pré-requisito para a síntese de mielina; A Vitamina B6 atua na resposta imunológica. Já a associação da B12, B6 e B9 melhora a função cognitiva e a saúde cerebral.

- Os ácidos Graxos ômega-3 (EPA e DHA) desempenham importante papel na atividade do sistema nervoso, memória, cognição, transmissão sináptica, plasticidade de membrana, função antiinflamatória e protetora do sistema imune. A redução na ingestão de gorduras saturadas e trans é importante para que ocorra diminuição da produção de ácido araquidônico e formação de substâncias inflamatórias. É importante um equilíbrio entre os âcidos graxos ômega-3 e ômega-6.

- Duas outras substâncias são importantes: a L-carnitina, atuando no controle do metabolismo energético e a Idebenona (forma mais biodisponível da Coenzima Q10) como cofator da cadeia respiratória.

A toxicidade por mercúrio também tem sido reportada como gatilho para a EM. Lectinas dietéticas encontradas no trigo, feijão, tomate podem aumentar a permeabilidade intestinal permitindo a passagem de antígenos, causando inflamação e exacerbando o processo auto-imune. 

Cada indivíduo é único e apresenta necessidades diferentes!! A atuação na inflamação, imunidade, estresse oxidativo, disbiose, carências de vitaminas e minerais são estratégias que podem melhorar a qualidade de vida do paciente.

IKEJIRI, Y.; MORI, E.; ISHII, K. et al. Idebenone improves cerebral mitochondrial oxidative metabolism in a patient with MELAS. Neurology; 47(2): 583-5, 1996.
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SOARES, C.S. Papel da Nutrição Funcional na Esclerose Múltipla. Rev Bras Nutr Func; 49:30-36, 2011.




4 comentários:

  1. Olá Geovana,
    Parabéns pelo texto. Excelente!
    Abraços,
    Joana Lucyk

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  2. Prezada, Geovana.
    Parabéns por seu trabalho. Mas gostaria de chamar sua atenção para uma lacuna, quando você fala em AGEs menciona apenas a formação deles fora do corpo, nos alimentos submetidos ao calor. A glicose proveniente da ração açucarada que alimenta a raça humana contemporânea ao chegar na corrente sanguínea trata de glicosilar ou glicar a hemoglobina (foi isso mesmo que você leu a formação de AGEs ocorre dentro de nosso corpo, bastando a combinação de açúcar com proteínas). À exceção dos músculos estriados que necessitam da ajuda da insulina para assimilar a glicose, todo o corpo é suscetível de ser glicado não enzimaticamente (reação de Maillard) pela glicose circulante. A glicação afeta proteínas componentes de membranas (colágeno, elastina, "mielina", etc). O sistema nervoso central e o periférico estão a mercê de glicação (aqui entra a EM). Escrevi um livro sobre açúcar (Açúcar o perigo doce) no qual tem um tópico sobre isso (A questão da glicação não enzimática p.67). O livro está esgotado na editora, mas é possível encontrá-lo em boas livrarias e pela Estante Virtual na internet. Qualquer coisa escreva-me. Um abraço.

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  3. Obrigada pela enriquecedora contribuição, Fernando. É sabido que as reações de glicação avançada podem ser endógenas ou exógenas. Agradeço novamente. Um Abraço.

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